A Operação Carne Fraca, deflagrada nesta sexta-feira (17) pela Polícia Federal (PF), envolvendo as empresas BRF e JBS em um esquema de corrupção na emissão de licenças frigoríficas e na qualidade dos produtos trará reflexos negativos aos mercados interno e externo de carnes.
E desta onda devastadora, Mato Grosso não sairá ileso, ao contrário, será prejudicado, já que detém o maior rebanho bovino do país, com 30,230 milhões de cabeças, e é o 2º maior exportador de carne bovina do Brasil. Ambas as empresas possuem indústrias no Estado e concentram cerca de 85% da produção local de carnes. Os problemas são graves e o risco de embargo à carne brasileira não está descartado, segundo especialistas.
A operação investiga o que a PF classifica como “uma organização criminosa liderada por fiscais agropecuários federais e empresários do agronegócio” em um esquema de liberação de licenças e fiscalização irregular de frigoríficos, mediante pagamento de propina a agentes públicos do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). As investigações também jogam por terra as viagens internacionais que o ministro Blairo Maggi vem fazendo desde o início de sua gestão à frente da pasta para abrir mercado aos produtos brasileiros.
O risco de a operação atingir as relações comerciais internacionais foi assumido publicamente pelo secretário-executivo do Mapa, Eumar Novacki, durante entrevista coletiva realizada na tarde desta sexta-feira. Ele admitiu preocupação com a repercussão do caso no exterior, já que o Brasil é um grande player no mercado internacional do agronegócio. O Ministro da Agricultura também confirmou que recebeu uma ligação do adido da União Europeia, que é o maior consumidor mundial da carne brasileira, para uma reunião de emergência para esclarecimentos sobre a operação Carne Fraca. O ministro disse que deve se reunir com a UE até a segunda-feira (20).
Mato Grosso é o 2º maior exportador de carne bovina do país, segundo dados contidos no Boletim da Bovinocultura, do Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea). Informações compiladas pela Federação das Indústrias de Mato Grosso (Fiemt), apontam que em 2016 o Estado exportou 421,072 mil toneladas de carnes, sendo 237,781 mil (t) de carne bovina, 122,405 mil (t) de aves, 45,162 mil (t) de suínos e 15,723 mil (t) de outros tipos. Os principais mercados consumidores da carne exportada pelo Estado são Hong Kong, Rússia, Irã, Egito e China.
Para o economista Vivaldo Lopes, a reação do mercado externo aos fatos apurados pela Polícia Federal já começaram a apresentar efeitos. “As duas empresas possuem 28 unidades em Mato Grosso e fecharam esta sexta-feira com queda superior a 8% na bolsa de valores. O Brasil demorou décadas para entrar no mercado europeu, que agora pode restringir a nossa produção, além de colocar em risco a abertura de mercado firmada com os Estados Unidos este ano”.
As empresas JBS (Seara, Swift, Friboi e Vigor) e BRF (Sadia, Perdigão, Batavo e Elegê) afirmaram, por meio de nota, que cumprem as normas e regulamentos na produção e comercialização de seus produtos e que possuem rigorosos processos e controles. Segundo elas, os produtos não oferecem risco aos consumidores e repudiam práticas relacionadas à adulteração de produtos.
O médico veterinário e pecuarista, Luis Carlos Meister, que foi diretor da BRF em Mato Grosso por 20 anos, disse que não acredita que as empresas adotem as práticas apontadas pela PF. “Acredito que tenham sido mercadores marginais que tenham manipulado e alterado a data de validade dos produtos”, defendeu.
O cenário preocupa os produtores de Mato Grosso, já que a crise de imagem das empresas pode atingir o mercado. Paulo Tadeu Bellincanta, 1º vice-presidente do Sindicato das Indústrias de Frigoríficas de Mato Grosso (Sindfrigo/MT) disse que “o cenário é de muita preocupação, pelo menos até que se esclareça quem são os envolvidos”. Para ele, o problema foi pontual, fruto da corrupção de funcionários das empresas e de agentes públicos. “Não acredito que a prática seja recorrente”. E diz ainda que, em relação à produção de Mato Grosso, não há preocupação, “já que se preza pela qualidade e respeito às normas”.
Repercussão
A Operação Carne Fraca levou a Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Mato Grosso (Sedec) a realizar uma reunião de emergência com o setor para discutir os impactos no Estado. Estiveram na reunião representantes do Instituto de Defesa Agropecuária de Mato Grosso (Indea) e do Instituto Mato-grossense da Carne (Imac).
Segundo a Sedec, um novo encontro com todo o setor será realizado na próxima semana para tratar das ações que devem ser tomadas para preservar os mercados internacionais. A Secretaria ressaltou que os reais impactos ainda não podem ser totalmente avaliados, pois dependem da postura dos países compradores da carne brasileira.
Diversas entidades do setor também manifestaram sua posição. A Associação dos Criadores de Mato Grosso (Acrimat) afirma apoio à operação e defende a apuração dos fatos e a punição dos envolvidos. “A garantia da qualidade e a segurança alimentar dos consumidores dependem de ações como esta, que visam impedir a comercialização de produtos que colocam em risco a saúde das pessoas”, ressaltou em nota.
A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) divulgou nota em que “considera lamentável a denúncia de que alguns dos principais frigoríficos do país, com o apoio de uma rede de fiscais agropecuários do Ministério da Agricultura, estariam envolvidos num esquema de venda ilegal de carnes ao consumidor”, e defendeu apuração rigorosa dos fatos com punição exemplar dos envolvidos.
“Os produtores rurais têm dado uma grande contribuição ao desenvolvimento nacional. Geram emprego, renda e alimentos de qualidade para a população. Portanto, não é justo que tenham a sua imagem maculada pela ação irresponsável e criminosa de alguns”, destacou a nota assinada pelo presidente da CNA, João Martins da Silva Junior.
A Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) ressaltou que “falhas que eventualmente venham a ser comprovadas são exceções em um modelo produtivo que é referência para o mundo. São questões pontuais, que não refletem todo o trabalho desenvolvido pelas empresas brasileiras durante décadas de pesquisas e investimentos, para ofertar produtos de alta qualidade”.
Conforme a ABPA, “o Brasil é reconhecido internacionalmente pela qualidade e status sanitário de seus produtos, que são auditados não apenas pelos órgãos brasileiros como também por técnicos sanitários dos mais de 160 países para os quais exporta”, e que legislações internas e internacionais -estabelecidas por órgãos como o Codex Alimentarius (padrões estabelecidos pela FAO para segurança na produção de alimentos) -norteiam o trabalho desenvolvido pelas agroindústrias brasileiras. Garante, ainda, que “todos os problemas detectados serão rapidamente corrigidos pelo setor, intensificando ainda mais os cuidados que já são tomados em prol da qualidade dos produtos”.