Já foi aprovado na Câmara dos Deputados e está em tramitação no Senado Federal o Projeto de Lei 3890/2020, que visa instituir o Estatuto da Vítima, trazendo definições sobre o que é vítima e “evento vitimário”, bem como direitos e providências dirigidas às vítimas de crimes. Por exemplo, que elas sejam levadas em consideração no curso da investigação, que possam participar do andamento do processo, que tenham assistência jurídica e encaminhamentos a serviços de atenção, além de formalizar as práticas restaurativas no âmbito do processo criminal.
Todas essas questões foram abordadas pelo promotor de justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MP/DFT), Antônio Henrique Graciano Suxberger, no painel “Estatuto da vítima: consequência política ou necessidade jurídica?”, no 6º Encontro do Sistema de Justiça Criminal de Mato Grosso, na manhã desta quinta-feira (30), no Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT).
O painel foi presidido pelo desembargador do TJMT Marcos Machado. Como debatedores, participaram o promotor de justiça do MPMT, Kledson Dionysio de Oliveira, o defensor público da DPE/MT, Maxuel Pereira Dias e o advogado de Brasília (DF) Matteus Macedo.
Em sua palestra, Antônio Suxberger defendeu o Estatuto da Vítima, refutando diversas críticas que permeiam o meio jurídico em relação ao interesse da vítima. Ele começou rebatendo o que chamou de “senso equivocado” de que a preocupação com a vítima colidiria com o comprometimento do processo penal com os direitos e garantias do acusado. Ele destacou que desde a década de 1980 a Organização das Nações Unidas (ONU) declara que as vítimas devem ter sua dignidade respeitada e ser tratadas com compaixão.
“Preocupação vitimológica não tem nada de dissenso, tensionamento ou contrariedade com o processo penal preocupado com os direitos e garantias do acusado. E vou até mais longe: não tem como o processo penal ter pretensão de justiça, se você não tem o sistema de justiça ocupado da vítima”, asseverou.
O promotor questionou ainda se o processo penal seria a única forma de dar resposta à vítima. “Será que o caso penal, a prática de um crime faz surgir unicamente um processo e a única resposta a esse fato é uma sentença? Será que a única maneira pela qual nós satisfazemos o que seja uma atenção do Estado em relação à criminalidade é por meio da pena?”.
Para Suxberger, a atenção à vítima não é uma questão de Direito, mas sim de política pública. “Pensar em atenção às vítimas exige de nós que compreendamos o funcionamento do sistema de justiça não mais como um serviço, mas sim que seja um exercício funcional da atuação do Estado. Entre outras coisas, um processo criminal fixa culpa e resolve sentença. Mas há mais serviços prestados pelo Estado que são canalizados pelo sistema de justiça”, pontua.
Outro ponto refutado pelo promotor de justiça foi de que a atenção à vítima se confundiria com justiça privada. “As poucas pesquisas de representações vitimárias indicam que vítimas estão muito mais preocupadas com a verdade de se reconhecerem e serem reconhecidas como vítimas e, sobretudo, com um tratamento compassivo”.
O jurista também pontuou que, por vezes, o sistema de justiça cível brasileiro está à frente no debate e na resposta às vítimas em relação ao sistema criminal. Ele ressaltou ainda que em países desenvolvidos já é comum a prática de dar satisfações cíveis às vítimas em processos criminais.
Suxberg também refutou a linha de pensamento de que a falência estrutural da pena privativa de liberdade, o estado inconstitucional de coisas do sistema prisional, entre outras questões do sistema criminal, seriam motivos para a falta de atenção à vítima. “É necessário construir igualmente o reconhecimento dessa priorização vitimológica”.
Outro ponto afastado pelo jurista foi o de que a atenção à vítima representaria abuso punitivo. “O Brasil tem 18 condenações em Corte Interamericana de Direitos Humanos. Nenhuma delas de caso de abuso no direito do jurisdicionado. Todas as condenações são por ausência de resposta da atuação do Estado, indefensabilidade vitimária, ou seja, o Estado não atendeu minimamente a situação de graves vítimas que atingiram os seus direitos humanos”, registrou.
Em relação à justiça restaurativa, o palestrante afirmou que o Brasil ainda é muito limitado nesse âmbito e a defendeu como uma política pública de atenção à vítima. “Prática restaurativa não ajuda a acabar com o processo. Então ela é uma política pública de atenção à vítima, não se solução de feitos. Não resolve congestionamento judiciário, não reduz estatísticas de varas que estão assoberbadas. É outra coisa. É ouvir, atender e acolher vítimas. Então temos que fomentar as práticas restaurativas”.
O promotor de Justiça reafirmou sua defesa do Projeto de Lei 3890/2020 (Estatuto da Vítima) pontuando que ele reforça direitos já determinados em legislações diversas, mas que carecem de efetividade. “Não há nada do projeto mais amplo do que hoje já se determina de maneira decentralizada. Há uma série de previsões que unicamente estão reunidas no estatuto com a pretensão de tornar isso mandatório, porque até hoje tem gente que não implementa isso”, apontou.
O palestrante concluiu sua palestra anotando sua preocupação com a resposta patrimonial e orientação, em políticas públicas, em relação à destinação de verbas para políticas de atenção à vítima. Ele defendeu ainda que esse debate não seja construído apenas no Legislativo. “Tem que ser debatido e construído dentro das instituições, sensibilizando atores nas suas formações e capacitações continuadas para perceber justamente que a atenção vitimológica deriva de agenda institucional, e não necessariamente de lacuna ou mora legislativa”.
Conforme o desembargador Marcos Machado, que presidiu o painel, a vítima foi escolhida como principal referência para o debate no Encontro do Sistema de Justiça Criminal deste ano. “Tivemos dois painéis que abordaram a necessidade de interpretarmos a legislação, a Constituição Federal e, sobretudo, as resoluções da ONU com olhar específico, com mais cuidado, sobretudo, pela violência, pelas consequências que estão hoje ocorrendo. E [o tema] está do nosso lado: não tem ninguém que não foi vítima ou não conhece alguém que foi vítima de crimes dos mais diversos tipos. Acredito que hoje evoluímos muito o pensamento crítico para que tenhamos o aperfeiçoamento das nossas decisões”, comentou.
O 6º Encontro do Sistema de Justiça Criminal do Estado de Mato Grosso é um evento idealizado e coordenado pelo desembargador Marcos Machado (TJMT), com realização da Escola Superior da Magistratura de Mato Grosso (Esmagis-MT), em parceria com a Escola Superior da Advocacia (ESA/OAB-MT), Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional (Ceaf) – Escola Institucional do Ministério Público Estadual (MPMT) e Escola Superior da Defensoria Pública (Esdep).
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Autor: Celly Silva
Fotografo: Lucas Figueiredo
Departamento: Coordenadoria de Comunicação do TJMT
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Fonte: Tribunal de Justiça de MT – MT